A Lei 14.133/2021, que trouxe inovações relevantes à legislação sobre licitações e contratos administrativos, tem sido objeto de intensos debates no meio jurídico e administrativo, especialmente em relação a questões que envolvem a transparência e a formalização dos processos licitatórios.
Um dos pontos que tem gerado discussões refere-se à obrigatoriedade de publicação do estudo técnico preliminar (ETP) no contexto do edital de licitação. Em recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão 2273/2024, o tema foi analisado sob a ótica da nova Lei de Licitações, esclarecendo aspectos importantes sobre a obrigatoriedade e as condições para a publicação do ETP.
A Lei 14.133/2021 estabeleceu, em seu artigo 48, a exigência do estudo técnico preliminar (ETP) como parte essencial da preparação do procedimento licitatório. Esse estudo tem o objetivo de fornecer uma análise técnica e detalhada dos custos e dos requisitos necessários para a contratação, com vistas a embasar a definição do objeto e o planejamento da execução contratual.
O ETP é considerado uma ferramenta importante para garantir a eficiência e a adequação das contratações públicas, mas, ao mesmo tempo, sua elaboração e divulgação têm gerado dúvidas sobre como ele se relaciona com o termo de referência (TR), um dos documentos fundamentais na formalização do edital.
O termo de referência, conforme o artigo 43 da Lei 14.133/2021, tem um papel semelhante ao do projeto básico e serve como diretriz para a elaboração do contrato, especificando o objeto, as condições de execução, os requisitos técnicos, entre outros detalhes essenciais para a contratação. Contudo, a dúvida reside em como a publicação do ETP se insere no procedimento licitatório, considerando a relação com o TR e a necessidade de evitar contradições ou informações conflitantes entre ambos.
Decisão do TCU: publicação do ETP no edital
No Acórdão 2273/2024, o TCU abordou a questão da inclusão do ETP como anexo do edital de licitação, destacando que a Lei 14.133/2021 não obriga a sua publicação no edital. A decisão do tribunal é clara ao afirmar que a inclusão do ETP no instrumento convocatório não é uma exigência legal. No entanto, o TCU também reconheceu que, caso o órgão promotor do certame considere que a divulgação do ETP possa trazer benefícios para o processo licitatório, como fornecer informações adicionais que melhorem a compreensão dos licitantes e, consequentemente, contribuam para uma participação mais qualificada, não há óbice para sua publicação.
Contudo, a decisão do TCU impõe uma condição importante para que essa publicação seja permitida: a necessidade de mitigar previamente os riscos de informações conflitantes entre o ETP e o termo de referência. Isso significa que o órgão responsável pela licitação deve adotar as devidas precauções para assegurar que não haja inconsistências entre os dados apresentados no ETP e as especificações constantes no TR. Caso contrário, a divergência de informações pode prejudicar a transparência e a competitividade do certame, além de gerar insegurança jurídica para os licitantes.
Risco de informações conflitantes e importância da mitigação
O TCU foi claro ao destacar o risco que a inclusão do ETP no edital pode acarretar, especialmente no que diz respeito à possibilidade de informações conflitantes entre o ETP e o TR. O ETP, por sua natureza, pode conter análises e considerações que, se não forem compatíveis com o que está descrito no TR, podem gerar confusão para os licitantes, comprometendo a clareza do processo licitatório. A falta de alinhamento entre esses dois documentos pode prejudicar a participação dos licitantes, uma vez que criaria um cenário de incerteza quanto às exigências e às condições da contratação.
Dessa forma, o órgão responsável pela licitação deve tomar todas as medidas necessárias para garantir que os documentos estejam perfeitamente alinhados. Isso pode incluir a revisão minuciosa dos textos e a coordenação entre os responsáveis pela elaboração do ETP e do TR, para evitar qualquer tipo de incoerência. Além disso, a comunicação clara e transparente sobre o papel de cada documento no processo licitatório também é fundamental para garantir que os licitantes possam tomar decisões bem-informadas.
Implicações para gestores públicos
A decisão do TCU traz implicações importantes para os gestores públicos responsáveis pela organização de licitações. Embora a publicação do ETP não seja obrigatória, a possibilidade de sua inclusão no edital como anexo abre uma oportunidade para aprimorar a transparência e a fundamentação técnica dos certames. No entanto, os gestores devem estar atentos à necessidade de garantir que a publicação do ETP não gere inconsistências com o termo de referência.
Além disso, a recomendação do TCU de mitigar os riscos de informações conflitantes exige que os gestores adotem práticas rigorosas de controle interno e revisão documental, para que as contratações públicas sejam conduzidas com o máximo de clareza e conformidade com a legislação.
Conclusão
A análise do TCU sobre a publicação do estudo técnico preliminar no edital de licitação, à luz da Lei 14.133/2021, reforça a flexibilidade do novo regime licitatório em permitir que os órgãos públicos decidam sobre a inclusão do ETP no processo licitatório, desde que tomem as medidas necessárias para evitar contradições com o termo de referência.
A medida tem o potencial de aumentar a transparência e a eficiência das contratações públicas, mas exige cuidados para garantir que as informações divulgadas não prejudiquem a clareza e a competitividade do certame. Dessa forma, os gestores públicos devem estar preparados para lidar com as implicações dessa decisão, adotando práticas de gestão documental e controle rigoroso para assegurar a legalidade e a transparência dos processos licitatórios.
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Referência
Acórdão 2273/2024, Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.
Fonte: Conjur
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