O desenvolvimento exponencial da inteligência artificial em diferentes aplicações deve exigir uma discussão permanente de legisladores e juristas para regular e promover o melhor uso dela. A avaliação foi consenso entre diferentes especialistas no seminário “Impactos setoriais da inteligência artificial”, promovido pela Universidade Santo Amaro (Unisa), em São Paulo, nesta sexta-feira (20/9).
Coordenador científico do evento, o ministro Ricardo Lewandowski, à frente da Justiça e Segurança Pública no governo Lula (PT), defendeu, na abertura dos debates, que a IA se trata de uma ferramenta como outras já desenvolvidas na história da humanidade, com riscos e boas potencialidades. O efeito que efetivamente terá sobre as pessoas, portanto, estará condicionado à regulação da tecnologia.
“Soberania significa o controle do cidadão sobre o seu futuro, então os cidadãos brasileiros terão que ter o controle sobre o futuro da inteligência artificial no nosso país, e o Estado terá que ser soberano para definir os rumos dessa ferramenta”, disse o ministro, ao mencionar a necessidade de adequação da tecnologia aos princípios fundamentais da Constituição Federal e a outros marcos normativos.
Além de Lewandowski, participaram do evento ministros do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral e políticos e juristas. O chanceler da Unisa, Victor Poli Veronezi, e o reitor da universidade, Eloi Rosa, participaram da abertura do seminário.
Legislação ‘viva’
Relator do Projeto de Lei 2.338/23, que propõe a regulação da inteligência artificial, o senador Eduardo Gomes (PL) diz que o texto pretende tratar da tecnologia, mas não esgotar o tema, o que seria impossível, uma vez que ele avança mais rápido do que o rito legislativo.
“O tempo é um ativo preocupante com relação à regulação de inteligência artificial, porque dificilmente conseguimos tirar aquela sensação de retrovisor, de que a gente sempre está correndo atrás de uma regulação impossível, pelo fato de não termos pensado antes naquele ambiente. E aí vem uma preocupação do Congresso Nacional, com apoio do Poder Judiciário e do Executivo, com relação a uma nova forma de lei. É como se a gente estivesse atrás de uma lei viva, uma lei que tenha, a cada tempo, a condição de freio e de ambiente”, afirmou.
“Realmente, temos que nos debruçar sobre uma nova qualificação de dispositivo de lei, para que a gente tenha a capacidade de ter uma lei viva”, completou o senador, que participou de uma mesa sobre os “Desafios para Regulação da Inteligência Artificial”.
Acanhamento do Direito
Também presente no seminário, o ministro André Ramos Tavares, do Tribunal Superior Eleitoral, diz que será necessária uma revolução jurídica em função do impacto da inteligência artificial, que acanhou o Direito e tem hoje o poder de manipular comportamentos.
“Temos esse fenômeno do encolhimento das fronteiras do Direito. Esse acanhamento é fruto de dois fatores: as normas em vigor ignoram os efeitos disruptivos já auferidos na sociedade; e os operadores do Direito acabam se utilizando de mecanismos e instrumentos que foram, na maior parte, construídos e pensados no século XIX e herdados do Direito romano. Não é possível uma mera atualização disso, é preciso uma revolução jurídica, uma disrupção do ponto de vista do Direito. Não é simples”, afirmou o ministro.
“O acanhamento do Estado Democrático de Direito, do ponto de vista do constitucionalismo, é um cenário não só de acanhamento quantitativo, mas também qualitativo, de menos democracia, menos transparência. As regras do jogo são muitas vezes criadas apenas por empresas privadas, que antigamente chamávamos de multinacionais e hoje são plataformas globais, mas não deixam de ser empresas buscando lucro.”
Adequação ao bem jurídico
Os ministros Floriano de Azevedo Marques e Edilene Lôbo, que também integram a Corte eleitoral, apontaram que, no âmbito em que atuam, a regulação da inteligência artificial deve seguir um propósito já adotado pela Justiça Eleitoral ante tecnologias anteriores: o de evitar abusos.
“A Justiça Eleitoral tem que desenvolver ferramentas para coibir distorções, inclusive se de utilizar ferramentas que a própria inteligência permite, porque, se ela permite uma fake news 4.0, ela também permite ferramentas que verifiquem se determinado vídeo ou notícia é falsa ou não”, argumentou Azevedo Marques.
“Não se trata de proibir o uso, mas de adequá-lo ao bem jurídico que interessa à sociedade. O que a Justiça Eleitoral está a dizer quando o tema é inteligência artificial? É que ela pode ser utilizada, mas o direito do povo de acesso à informação de qualidade para fazer escolhas não pode ser tomado pela iniciativa econômica sem contenções. Não é mar sem praia”, completou a ministra Edilene Lôbo.
Foco nos direitos fundamentais
Já a advogada Lílian Cintra de Melo, à frente da Secretaria de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, traçou um paralelo da regulação da inteligência artificial com a criação do Código de Defesa do Consumidor. Na ocasião anterior, segurança e saúde do consumidor guiaram a inovação normativa. Agora, a razão de ser das novas regras é a proteção de direitos fundamentais, dado o risco de discriminação pela tecnologia.
Para exemplificar, ela detalhou as controvérsias sobre o uso de ferramentas de reconhecimento facial. O país acumula casos de erros judiciais provocados por essas tecnologias, intensificados pelo viés discriminatório das câmeras e de que as opera.
“O que a empresa tem de fazer para garantir que uma tecnologia, um produto ou um serviço não vai discriminar pessoas? No caso da identificação biométrica à distância, qual é o risco? Vamos colocar na balança: há a chance de encontrar criminosos, e há a chance de ter um sistema discriminatório viciado por vieses, que pode causar danos. Então, quando se trata de regulação de inteligência artificial, a gente tem que pensar nisso o tempo inteiro”, afirmou a secretária, acrescentado que o PL 2.338/23 deve limitar essa aplicação.
Fonte: Conjur
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