A simples alegação de que uma operação financeira é feita mediante uso do cartão e de senha pessoal do cliente não é suficiente para demonstrar a inexistência de falha da instituição financeira.
Com esse entendimento, a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de primeiro grau para condenar um banco a indenizar por danos materiais um cliente que foi vítima do "golpe da troca do cartão". O banco deverá devolver os R$ 9,4 mil descontados indevidamente da conta do autor.
Na ação indenizatória, o consumidor alegou ter sido vítima do golpe da troca do cartão após efetuar uma compra com um vendedor ambulante. Ele disse que só percebeu o golpe no dia seguinte e que não reconheceu duas transações, de R$ 5,8 mil e R$ 3,6 mil, feitas após a troca dos cartões de crédito.
Segundo o cliente, as transações fogem ao seu padrão de gastos. Além disso, ele afirmou que o banco se recusou a devolver os valores, o que o levou a acionar o Judiciário. A magistrada de primeiro grau, no entanto, julgou a ação improcedente, aplicando ao caso a excludente de responsabilidade por culpa exclusiva do consumidor.
O entendimento do TJ-SP foi diferente e, por unanimidade, foi acolhido o recurso do consumidor. Para o relator, desembargador Thiago de Siqueira, há verossimilhança nas alegações do autor, incluindo boletim de ocorrência e histórico de faturas do cartão de crédito, que comprovam que as transações contestadas fogem do padrão.
"Não há como deixar de reconhecer que as operações que impugnou não foram por ele realizadas, por ter sido vítima de falsários que lhe aplicaram o golpe da 'troca de cartão'. Desse modo, se os golpistas lograram utilizar seu cartão é porque também conseguiram burlar o sistema de proteção do banco para consumar o golpe, pois, como afirma o banco réu, as transações foram realizadas com chip e senha", argumentou ele.
De acordo com Siqueira, caberia ao banco o ônus de provar que as operações impugnadas teriam sido feitas regularmente, sem que houvesse falha de sua parte, ou que não seriam decorrentes de fraude, o que não ocorreu no caso dos autos.
"Resta afastada a alegação do apelado que as operações estavam dentro do perfil de crédito, uma vez que comparando as compras usualmente realizadas com as que o autor impugna na lide, deveriam causar estranheza ao banco réu as grandes importâncias utilizadas, ao menos em relação ao não parcelamento da compra, saindo completamente do perfil de crédito do requerente", completou.
O magistrado afirmou que o caso envolve responsabilidade objetiva prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, sendo que o sistema de segurança falho caracteriza defeito na prestação do serviço. Ele também aplicou ao caso a teoria do risco profissional e disse que o banco deve responder pelos maus serviços prestados.
"Cabe observar que se o sistema de segurança do banco fosse tão eficiente, teria ocorrido a verificação prévia de que tais operações que fogem em muito do perfil da cliente e, consequentemente, o bloqueio do cartão teria ocorrido antes que as operações fossem realizadas", acrescentou o desembargador.
"Não houve a comprovação de inscrição de seu nome no banco de dados dos órgãos de proteção ao crédito e nos autos não existem provas suficientes para indicar que tivesse passado por alguma situação vexatória, sendo certo que o simples aborrecimento não basta para configurar o dano moral", explicou.
Para Siqueira, os fatos narrados na inicial não são suficientes para abalar a integridade psíquica da pessoa, "devendo revestir-se de gravidade que possa causar-lhe efetivo abalo moral, sob pena de generalizar-se demasiadamente este dano e sua reparação".
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1012119-68.2020.8.26.0068
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de agosto de 2021, 10h22
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