sábado, 21 de agosto de 2021

Magistratura brasileira se une contra pedido de impeachment de Alexandre

 A decisão de Jair Bolsonaro de apresentar ao Senado Federal um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, gerou fortes reações contrárias na magistratura brasileira. Ministros, desembargadores e juízes se uniram para mostrar sua indignação com a atitude do presidente da República.

Alexandre de Moraes recebeu o apoio
da comunidade jurídica brasileira
Felipe Lampe

O Superior Tribunal de Justiça divulgou neste sábado (21/8) uma nota em que se disse preocupado com o pedido feito por Bolsonaro e ressaltou a importância do Poder Judiciário como garantidor da segurança e da democracia no país.

"O Poder Judiciário tem como função preponderante a jurisdicional, diretamente vinculada ao fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. A convivência entre os poderes exige aproximação e cooperação, atuando cada um nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna", diz trecho da nota (leia aqui na íntegra).

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), as maiores entidades representativas da magistratura no Brasil, também se manifestaram contra o ato de Bolsonaro. Em nota conjunta assinada por Renata Gil, presidente da AMB, e Eduardo André Brandão, presidente da Ajufe, elas classificaram o pedido de impeachment como um ataque "à independência e à harmonia entre os poderes".

"Decisões judiciais devem ser contestadas no âmbito do Poder Judiciário e jamais por meio de instrumentos políticos. Temos a certeza de que as instituições — em especial, o Senado Federal — saberão reagir a toda e qualquer tentativa de rompimento do Estado de Direito e da ordem democrática", diz trecho da nota.

O mesmo fez a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que também por meio de uma nota afirmou que o pedido de impeachment é uma afronta à independência do Judiciário.

"A imputação ao magistrado Alexandre de Moraes de crime de responsabilidade parece se motivar, exatamente, no exercício independente da jurisdição, dever comum a todos os magistrados, forjados na cotidiana atividade de interpretar e aplicar o sistema normativo contra poderes políticos, econômicos e qualquer grupo de interesse organizado."

O ex-presidente da Ajufe Fernando Mendes também criticou o presidente da República. "Fui juiz federal durante 19 anos. Presidi a Ajufe. Contra as decisões judiciais são cabíveis recursos e nunca ameaças à pessoa do magistrado. Esse pedido de impeachment é um completo absurdo e fez muito bem o STF ao se posicionar institucionalmente".

Muito incomodado também ficou o ex-decano do STF Celso de Mello. Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro aposentado disse que se trata de uma "absurda provocação" que "traduz ofensa manifesta ao convívio harmonioso entre os poderes da República".

Celso de Mello classificou o ato de Bolsonaro como 'absurda provocação'
STF

"O gesto de Bolsonaro traduz ofensa manifesta ao convívio harmonioso entre os poderes da República, pois a denúncia contra o ministro Alexandre de Moraes, além de não ter fundamento legítimo, revela a intenção subalterna de pretender intimidar um magistrado que, além de independente, responsável e intimorato, cumpre, com exatidão e estrita observância das leis, o seu dever funcional! Bolsonaro precisa ter consciência de que não está acima da autoridade da Constituição e das leis da República!", afirmou Celso de Mello.

O ex-ministro foi enfático ao repudiar a ação de Bolsonaro. "Como qualquer cidadão comum, ele também é um súdito das leis! Não pode agir sem causa legítima! Isso significa que a denúncia oferecida, para não ser desqualificada como inepta, abusiva e frívola, deveria ter suporte juridicamente idôneo, de todo inexistente no caso! Por transgredir, desse modo, o que dispõe o artigo 2º da Constituição, o presidente da República revela grave e ostensivo desapreço pela Lei Fundamental que nos rege", disse o ministro aposentado. "Com esse gesto de absurda provocação, Bolsonaro obstrui qualquer tentativa de restabelecer a harmonia, por ele violada, entre os poderes do Estado, vulnerando, com esse gesto inconsequente, um dos dogmas fundamentais do Estado democrático de Direito!".

Ex-ministros e advogados
Da mesma forma, um grupo de dez ex-ministros da Justiça, integrantes dos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, reagiu fortemente à ação do mandatário e, dirigindo-se ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, classificou o gesto como "aventura", pedindo a rejeição do pedido de impeachment.

"Eventual seguimento do processo surtirá efeitos nocivos à estabilidade democrática, de vez que indicará a prevalência de retaliação a membro de nossa Corte Suprema, gerando imensa insegurança no espírito de nossa sociedade e negativa repercussão internacional da imagem do Brasil", diz um trecho do documento.

Os ex-ministros classificam o pedido de impeachment como "mero capricho" do presidente, que, na avaliação deles, segue o "roteiro de outros autocratas ao redor do mundo", e alertam para o risco de o Senado Federal se transformar em um "instrumento de perseguição pessoal" de Bolsonaro caso aceite o pedido.

O documento é assinado por Miguel Reale Jr., José Gregori, Aloysio Nunes, Celso Amorim, Jacques Wagner, José Eduardo Martins Cardozo, José Carlos Dias, Tarso Genro, Eugenio Aragão e Raul Jungmann.

A Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Rio de Janeiro, por unanimidade de seus membros, repudiou, "com vivo empenho, execráveis ataques ao Supremo Tribunal Federal, desta feita, na pessoa do ministro Alexandre de Moraes, almejando, unicamente, angariar interesses político-eleitorais na contramão da Constituição da República Federativa do Brasil".

A nota, assinada pelos advogados Luís Guilherme Vieira, presidente da CDEDD/OAB-RJ, e Thiago Anastácio, membro consultor da entidade, diz que Bolsonaro recorre a métodos estranhos ao processo democrático.

"Trata-se de antigo método já visto e analisado pelos estudiosos desde 'Mein Kampf', passando pela genocida forma propagandista de Goebbels, e, nos tempos atuais, na fixação de parte dos deputados e senadores da base governista pelas ideias de Steve Bannon, mentor intelectual dessa estratégia mentirosa, agora objetivando ocupar lugares na imprensa e provocar frisson nas redes sociais, desfocando os olhos da cidadania sobre omissões, erros e crimes cometidos pelos que assim agem".

A Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), entidade que congrega mais de 80 mil operadores do Direito, também criticou Bolsonaro. "As garantias constitucionais asseguradas à magistratura constituem o alicerce da independência do Poder Judiciário, valor essencial ao Estado democrático de Direito e que deve se sobrepor a toda e qualquer autoridade ou poder constituído, nos termos da Constituição Federal brasileira", diz a entidade, em nota.

"O inconformismo com as decisões judiciais deve desafiar os recursos processuais adequados e próprios do Poder Judiciário e, por isso, a Associação dos Advogados, ao tempo em que lamenta o ataque contra um dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, reafirma sua confiança na republicana decisão do Senado Federal", completa a Aasp.

Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2021, 15h49

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