quarta-feira, 13 de maio de 2015

Notas sobre o nazismo


Antes de qualquer coisa, recomendo o livro do grande escritor rabino Nilton Bonder intitulado “Tirando os sapatos: o caminho de Abraão, um caminho para o outro.”
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Duas comemorações ocorrem no mês de maio: 70 anos do Holocausto e 70 anos da volta da FEB (Força Expedicionária Brasileira), vitoriosa sobre o nazi-fascismo. Quando perguntaram a Hitler como ele ocuparia o Brasil, ele gargalhou: “Eu tomo com um telefonema!” Nossa participação foi essencial para a vitória. Além de a cidade de Natal ser ideal para apoiar os desembarques no Norte da África, o mundo livre precisava da borracha. Na época não havia borracha sintética, e os japoneses ocupavam todos os lugares em que havia látex, o único lugar não ocupado era a Amazônia. Além disso, o quartzo brasileiro era essencial para o funcionamento de toda Aeronáutica.

O Partido Nazista no Brasil era o maior no mundo depois do alemão. Um plebiscito da época mostrou que 90% dos habitantes — friso, naquela época — de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná queriam formar a nova Alemanha. Segundo relatos, havia pelo menos um milhão de nazistas aqui. Getúlio usou até o integralismo para esvaziar esse nazismo. Meu pai chegou com minha mãe fugido do Holocausto e já aqui em 1941 foi agente da resistência judaica, publicando selos antinazistas. Jamais me esquecerei de assistir aos 4 anos de idade ao desfile da volta das tropas da FEB batendo continência. O nazismo é muito profundo porque o Mal é muito profundo. Estão equivocadas as pessoas que subestimam essa presença do Mal absoluto.

Se quisermos retroceder, os elogios ao déspota esclarecido (ou enlouquecido) datam de eras antigas. Primeiro com Dracon, de onde vêm as leis draconianas. Ele dizia que, fosse um assassinato ou o roubo de uma maçã, todos os criminosos mereciam a pena capital. Depois, três grandes pensadores, inimigos da Ágora (primeira forma de democracia surgida na história da nossa chamada civilização): Sócrates, Platão e Aristóteles. Para Platão, os governantes devem ser reis filósofos e filósofos reis. Nem as mulheres, nem os escravos, nem os cidadãos e cidadãs tinham qualquer importância, e o poeta era terminantemente proibido de existir porque sempre traria confusões e caos. É Jesus de Nazaré que cria a democracia e coloca o amor como ponto absoluto. Ele inventa o romantismo (que presume a liberdade de escolha); os direitos humanos, inclusive a desobediência civil pacífica e pacificante; o liberalismo (através do livre-arbítrio); e o socialismo ou, se quiserem, o Anarquismo pacifista, no Sermão da Montanha. Lembro tudo isto porque Aristóteles dizia que as duas piores emoções que existem são as do terror e as da piedade, e que só conseguimos atenuar um pouco esse horror através da tragédia e da catarse. Imaginem só: a sensação do terror igualada à da piedade, sendo que na realidade essa piedade é o amor e o cerne de toda questão.

As primeira vítimas logo no início do poder de Hitler foram as crianças de seu próprio povo, portadoras de necessidades especiais. Elas iam para um hospital, as famílias eram comunicadas de que já estavam boas e de repente ficavam mal e morriam. Setenta por cento dos oficiais da SS nos campos de concentração eram médicos. O pensamento do nazismo na modernidade vem com Gobineau em “A desigualdade das raças”. Depois vem Richard Wagner, que inventa a palavra “nacional-socialismo” e o extermínio dos judeus. Em seguida temos Nietzsche, que fundamentou o nazismo, e a quem Karl Jaspers defendeu alegando que dizia coisas simultâneas. Em seguida, Martin Heidegger, que com o álibi de Hannah Arendt fingiu-se de neutro e democrata. Ele faz em 1948 uma palestra (notem bem, três anos depois do fim da Segunda Guerra) dizendo que os campos de concentração eram fábricas de cadáveres assim como existem fábricas de automóvel, de autopeças etc. Outro grande pensador: Jung. Ao perguntarem a ele o porquê do nazismo, respondeu: foi apenas a irrupção do arquétipo de Wotan! Nisso, ele tinha um pouco de razão, pois a única mitologia em que os deuses se matam uns aos outros numa tremenda autodestruição é a mitologia germânica. Um dos grandes historiadores é o nazista romeno Mircea Eliade. Em toda a minha obra desde 1956, eu cito muito esses senhores, tamanha a importância deles. No pós-guerra, Heidegger deu sua única entrevista para jornalistas. A primeira pergunta foi sobre Sartre, e a resposta: “Quem? Um jornalista sensacionalista? Não conheço.” Em seguida, perguntaram sobre a bomba atômica, e Heidegger respondeu: “A primeira ou a segunda?” E os jornalistas: “Mas qual foi a primeira?” E ele respondeu: “Todo mundo sabe: Jesus de Nazaré! Encerrada a entrevista!”

João Ricardo Moderno tem escrito muito sobre o assunto e quero lembrar que a grande pensadora discípula dos inventores da fenomenologia Husserl e Max Scheler foi Edith Stein. Stein foi mandada para o campo de concentração e morreu como monja carmelita descalça em nome de toda a Humanidade, dos judeus, dos ciganos, dos homossexuais e de Jesus de Nazaré. Quero lembrar que 6 milhões de judeus exterminados em campos de concentração é a cifra oficial, mas mais 6 milhões foram exterminados nos guetos e invasões nazistas. Na verdade, tudo tem relação também com a primeira irrupção do socialismo moderno na Rússia czarista: o Bund (“elo” ou “união” em iídiche, que também é alemão arcaico). O czar apavorado mandou que sua polícia política secreta, a Okhrana, forjasse um documento que condenasse os judeus socialistas do Bund. Aí surgiu “O protocolo dos sábios de Sião”, livro no qual é inventado que os judeus têm uma trama secreta de conquistar todo o planeta seja pela direita, pela esquerda ou pelo centro. Até hoje tem muita gente que acredita que isso seja verdade. A qualquer instante, o nazismo pode voltar.



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Fonte: O Globo

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