domingo, 8 de dezembro de 2013

Promotor que combate corrupção alerta para “monstruoso desvio oculto de recursos”

Arthur Lemos Junior defende criminalização de enriquecimento ilícito de servidor público.

por Fausto Macedo

“O servidor público não pode ter patrimônio sem origem e justa causa”, adverte o promotor de Justiça Arthur Lemos Junior, do Ministério Público de São Paulo.

Lemos Junior, que detém ampla experiência no combate à corrupção, avalia que o enriquecimento ilícito de agentes públicos deve ser criminalizado. “Se o funcionário público detém patrimônio não justificado em seu nome, ou, comprovadamente, por meio de interposta pessoa, e não consegue justificar sua origem, o Estado deve punir tal conduta por meio do crime de enriquecimento ilícito.”

A criminalização do enriquecimento ilícito de servidor público foi recomendada pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) – fórum de quase 70 órgãos públicos do Brasil, inclusive o Ministério Público, que se reuniu na semana passada em Uberlândia (MG).

Arthur Lemos Junior é promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos (GEDEC) em São Paulo e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Especialista em 

Direito Penal Econômico pela mesma instituição.

Em entrevista ao Estado, Lemos Junior prega rigorosa punição a servidores que enriquecem de forma ilícita.

ESTADO: Reunida em Uberlândia, a ENCCLA decidiu recomendar a criminalização do enriquecimento ilícito de servidores públicos. Qual a sua avaliação? Na prática, como isso poderá ser concretizado?

ARTHUR LEMOS JUNIOR: A ENCCLA tem se dedicado ao aperfeiçoamento do ordenamento jurídico para a prevenção e o enfrentamento da corrupção. Já foram desenvolvidos diversos anteprojetos de leis nesse âmbito, como o da improbidade administrativa, lavagem de dinheiro, o da criminalidade organizada, sobre extinção de domínio e outros. O projeto de criminalização do enriquecimento ilícito será mais uma importante ferramenta para combater a corrupção. O funcionário público, em especial as pessoas politicamente expostas, não pode ter patrimônio sem origem e justa causa. O servidor público honesto não teme esse projeto, que é bem aceito pelos mais de 60 órgãos integrantes da ENCCLA.

A ENCCLA recomenda que os órgãos do Governo Federal apoiem essa prioridade para que possamos, cada vez mais, golpear a corrupção em seu órgão mais vital, o patrimônio proveniente de ilícitos.

ESTADO: Qual é hoje a punição reservada para casos de enriquecimento ilícito de agente público? É insuficiente?

LEMOS JUNIOR: A punição para o enriquecimento ilícito, desacompanhado da notícia da infração penal concreta cometida pelo funcionário público, é punível por meio da aplicação da lei de improbidade administrativa e, no âmbito penal, em tese, pela sonegação de impostos à Receita Federal. Não é suficiente. A danosidade social do enriquecimento ilícito é muito maior do que muitas infrações penais, que assolam Distritos Policiais e Varas Criminais. Se o funcionário público detém patrimônio não justificado em seu nome, ou, comprovadamente, por meio de interposta pessoa, e não consegue justificar sua origem, o Estado deve punir tal conduta por meio do crime de enriquecimento ilícito. Igualmente, após regular ação civil, extinguir esse domínio ilícito e recuperar tais ativos.

ESTADO: O sr. acha que a criminalização tende a reduzir os casos de corrupção e malfeitos com recursos públicos?

LEMOS JUNIOR: Claro que tende a reduzir. O funcionário público conta com a impunidade para praticar o desvio de finalidade e, sem titubear, agrega bens em seu patrimônio, valendo-se, invariavelmente, de apoiadores para bloquear o patrimônio ilícito e criar pessoas jurídicas para dissimular sua procedência.

Um arcabouço de leis modernas e eficazes, após o devido processo legal, contribuirá para a diminuição do nível de corrupção. Nem se diga que seria melhor investir em educação, porque neste caso o agente criminoso teve acesso a bons colégios, faculdades e frequenta o que há de melhor na sociedade. Mais do que impor pena privativa de liberdade ou restritiva de direito, impõe-se a retirada do patrimônio incompatível com seu fundamento financeiro.

ESTADO: A ENCCLA também aprovou declaração de apoio à Meta Nacional 4 do Conselho Nacional de Justiça, que trata do julgamento prioritário das ações de improbidade e combate à corrupção no País. Como atingir esse objetivo? O que falta para ser cumprida a Meta?

LEMOS JUNIOR: A ENCCLA considerou fundamental o julgamento das ações penais e de improbidade administrativas, em especial as originárias, nas quais os agentes criminosos são detentores de foro privilegiado. Não importa o partido político envolvido, porque a Justiça persegue o fato cometido e não as pessoas. A ENCCLA é pautada pela técnica no enfrentamento da corrupção e lavagem de valores. Justiça tardia é falha. Os órgãos de persecução incumbidos dessas apurações e o Poder Judiciário devem priorizar o processo e julgamento de tais temas, pois é isso que a sociedade espera da Justiça. A corrupção impede o desenvolvimento do Brasil em todos os aspectos, pelo monstruoso desvio oculto de recursos. O ladrão reincidente tem sido mantido preso, enquanto que o corrupto consegue manter-se solto pelo interminável curso da ação penal.

Para que a Meta seja, com eficácia, cumprida é preciso alterar o sistema recursal, que admite inúmeros recursos, o que, aliás, também será objeto de estudo na ENCCLA 2014 por meio da Ação de n° 14 (“Discutir e elaborar proposta de alterações legislativas para rever o sistema de recursos processuais penais e de execução da sentença penal, com o objetivo de alcançar maior efetividade”).




Fonte:O Estadão 

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