O Presidente da República está sujeito às consequências jurídicas e políticas de seus próprios atos e comportamentos relacionados ao exercício da função. O presidente da República — que também é súdito das leis, como qualquer outro cidadão deste país — não se exonera da responsabilidade penal emergente dos atos que tenha praticado. A autorização da Câmara, por 2/3 de seus membros, refere-se a abertura de ação judicial, não para investigação.
Com esse entendimento, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a abertura de inquérito para apurar as condutas do presidente Jair Bolsonaro e declarações do ex-juiz federal Sergio Moro ao anunciar sua demissão do Ministério da Justiça.
Na decisão desta segunda-feira (27/4), o ministro determinou a abertura de inquérito para investigar condutas e declarações dos dois acusados. "A fundamentação vai no sentido de afastar qualquer obstáculo à investigação do presidente da República. Ou seja, o presidente pode ser penalmente responsabilizado por atos relacionados ao exercício da função e o quórum de 2/3 é da Câmara dos Deputados só é exigido para abertura de ação judicial contra o presidente e não para sua investigação policial", analisou o criminalista Pierpaolo Bottini.
Na sexta-feira (24/4), Moro afirmou que Bolsonaro exonerou o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, porque queria ter alguém do "contato pessoal dele [na PF] para poder ligar e colher relatórios de inteligência". "O presidente me falou que tinha preocupações com inquéritos no Supremo, e que a troca [no comando da PF] seria oportuna por esse motivo, o que gera uma grande preocupação", afirmou o ex-juiz.
A decisão do decano acolhe pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. Celso de Mello entendeu que os crimes supostamente praticados por Jair Bolsonaro, conforme narrado por Moro, podem ser conexos ao exercício do mandato presidencial. De acordo com o decano, essas são circunstâncias que conferem plena legitimação constitucional ao procedimento investigatório.
O ministro também concede à Polícia Federal prazo de 60 dias para realização de diligência, intimando assim o ex-ministro Sérgio Moro para atender à solicitação feita pelo órgão.
Diversas vezes o ministro afirmou que ninguém está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado. "Não se exonera da responsabilidade penal emergente dos atos que tenha praticado, pois ninguém, nem mesmo o Chefe do Poder Executivo da União, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República."
Pedido da PGR
De acordo com o PGR, as declarações de Moro podem resultar em, pelo menos, oito crimes: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
"A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa", aponta o PGR.
Especialistas consultados pela ConJur afirmam que as declarações de Moro, em tese, podem levar o presidente Jair Bolsonaro a responder processo de impeachment e ação penal por crimes de responsabilidade e comuns.
As declarações de Moro motivaram o envio de uma notícia-crime contra o presidente ao STF, na sexta (24/4). Na Câmara, até o final de semana, restavam 29 pedidos de impeachment a serem apreciados pelo presidente, deputado federal Rodrigo Maia. Três deles protocolados após a coletiva do ex-ministro.
PET 8.802
* Texto alterado às 23h10 para acréscimo de informações
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fernanda Valente é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 27 de abril de 2020, 22h21
Nenhum comentário:
Postar um comentário