por Fausto Macedo
“O servidor público não pode ter patrimônio sem origem e justa
causa”, adverte o promotor de Justiça Arthur Lemos Junior, do Ministério
Público de São Paulo.
Lemos Junior, que detém ampla experiência no combate à corrupção,
avalia que o enriquecimento ilícito de agentes públicos deve ser
criminalizado. “Se o funcionário público detém patrimônio não
justificado em seu nome, ou, comprovadamente, por meio de interposta
pessoa, e não consegue justificar sua origem, o Estado deve punir tal
conduta por meio do crime de enriquecimento ilícito.”
A criminalização do enriquecimento ilícito de servidor público foi
recomendada pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem
de Dinheiro (ENCCLA) – fórum de quase 70 órgãos públicos do Brasil,
inclusive o Ministério Público, que se reuniu na semana passada em
Uberlândia (MG).
Arthur Lemos Junior é promotor de Justiça do Grupo de Atuação
Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de
Recuperação de Ativos (GEDEC) em São Paulo e mestre em Ciências
Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e
Especialista em
Direito Penal Econômico pela mesma instituição.
Em entrevista ao Estado, Lemos Junior prega rigorosa punição a servidores que enriquecem de forma ilícita.
ESTADO: Reunida em Uberlândia, a ENCCLA decidiu recomendar a
criminalização do enriquecimento ilícito de servidores públicos. Qual a
sua avaliação? Na prática, como isso poderá ser concretizado?
ARTHUR LEMOS JUNIOR: A ENCCLA tem se dedicado ao
aperfeiçoamento do ordenamento jurídico para a prevenção e o
enfrentamento da corrupção. Já foram desenvolvidos diversos anteprojetos
de leis nesse âmbito, como o da improbidade administrativa, lavagem de
dinheiro, o da criminalidade organizada, sobre extinção de domínio e
outros. O projeto de criminalização do enriquecimento ilícito será mais
uma importante ferramenta para combater a corrupção. O funcionário
público, em especial as pessoas politicamente expostas, não pode ter
patrimônio sem origem e justa causa. O servidor público honesto não teme
esse projeto, que é bem aceito pelos mais de 60 órgãos integrantes da
ENCCLA.
A ENCCLA recomenda que os órgãos do Governo Federal apoiem essa
prioridade para que possamos, cada vez mais, golpear a corrupção em seu
órgão mais vital, o patrimônio proveniente de ilícitos.
ESTADO: Qual é hoje a punição reservada para casos de enriquecimento ilícito de agente público? É insuficiente?
LEMOS JUNIOR: A punição para o enriquecimento
ilícito, desacompanhado da notícia da infração penal concreta cometida
pelo funcionário público, é punível por meio da aplicação da lei de
improbidade administrativa e, no âmbito penal, em tese, pela sonegação
de impostos à Receita Federal. Não é suficiente. A danosidade social do
enriquecimento ilícito é muito maior do que muitas infrações penais, que
assolam Distritos Policiais e Varas Criminais. Se o funcionário público
detém patrimônio não justificado em seu nome, ou, comprovadamente, por
meio de interposta pessoa, e não consegue justificar sua origem, o
Estado deve punir tal conduta por meio do crime de enriquecimento
ilícito. Igualmente, após regular ação civil, extinguir esse domínio
ilícito e recuperar tais ativos.
ESTADO: O sr. acha que a criminalização tende a reduzir os casos de corrupção e malfeitos com recursos públicos?
LEMOS JUNIOR: Claro que tende a reduzir. O
funcionário público conta com a impunidade para praticar o desvio de
finalidade e, sem titubear, agrega bens em seu patrimônio, valendo-se,
invariavelmente, de apoiadores para bloquear o patrimônio ilícito e
criar pessoas jurídicas para dissimular sua procedência.
Um arcabouço de leis modernas e eficazes, após o devido processo
legal, contribuirá para a diminuição do nível de corrupção. Nem se diga
que seria melhor investir em educação, porque neste caso o agente
criminoso teve acesso a bons colégios, faculdades e frequenta o que há
de melhor na sociedade. Mais do que impor pena privativa de liberdade ou
restritiva de direito, impõe-se a retirada do patrimônio incompatível
com seu fundamento financeiro.
ESTADO: A ENCCLA também aprovou declaração de apoio à Meta
Nacional 4 do Conselho Nacional de Justiça, que trata do julgamento
prioritário das ações de improbidade e combate à corrupção no País. Como
atingir esse objetivo? O que falta para ser cumprida a Meta?
LEMOS JUNIOR: A ENCCLA considerou fundamental o
julgamento das ações penais e de improbidade administrativas, em
especial as originárias, nas quais os agentes criminosos são detentores
de foro privilegiado. Não importa o partido político envolvido, porque a
Justiça persegue o fato cometido e não as pessoas. A ENCCLA é pautada
pela técnica no enfrentamento da corrupção e lavagem de valores. Justiça
tardia é falha. Os órgãos de persecução incumbidos dessas apurações e o
Poder Judiciário devem priorizar o processo e julgamento de tais temas,
pois é isso que a sociedade espera da Justiça. A corrupção impede o
desenvolvimento do Brasil em todos os aspectos, pelo monstruoso desvio
oculto de recursos. O ladrão reincidente tem sido mantido preso,
enquanto que o corrupto consegue manter-se solto pelo interminável curso
da ação penal.
Para que a Meta seja, com eficácia, cumprida é preciso alterar o
sistema recursal, que admite inúmeros recursos, o que, aliás, também
será objeto de estudo na ENCCLA 2014 por meio da Ação de n° 14
(“Discutir e elaborar proposta de alterações legislativas para rever o
sistema de recursos processuais penais e de execução da sentença penal,
com o objetivo de alcançar maior efetividade”).
Fonte:O Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário